sexta-feira, 16 de março de 2007


Partido reformista

O partido reformista apareceu um dia, de repente, sem se saber como, sem se saber porque. Era um estafermo austero, pesado, de voz possante. Ninguém sabia bem o que aquilo queria. Alguns diziam que era o sebastianismo sob o seu aspecto constitucional; outros que era uma seita religiosa para a criação do bicho-da-seda. Corriam as mais desvairadas opiniões. Apresentava-se tão grave, tão triste, tão intransigente que no Chiado afirmava-se ser um personagem da história romana — empalhado!
Ninguém se aproximava dele no meio da imensa impressão que causava nos moços de fretes. Por fim, pouco a pouco, alguns jornalistas mais curiosos foram-se chegando, começaram a tocar-lhe com o dedo, a ver se era de pau. Era de carne, verdadeiro. Percebeu-se mesmo que falava. Então os mais audaciosos fizeram-lhe perguntas.
—Senhor—disseram—, espalhou-se por aí que vindes restaurar o País. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc. Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?
— Economias!—disse com voz potente o partido reformista.
Espanto geral.
— Bem! E em moral?
— Economias! — bradou.
— Viva! E em educação?
— Economias! — roncou.
— Safa! E nas questões de trabalho?
— Economias! — mugiu.
— Apre! E em questões de jurisprudência?
— Economias! — rugiu.
— Santo Deus! E em questões de literatura, de arte?
— Economias! — uivou.
Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências. Perguntaram-lhe:
— Que horas são?
— Economias! — rouquejou.
Todo o mundo tinha os cabelos em pé. Fez-se uma nova tentativa, mais doce.
— De quem gosta mais, do papá, ou da mama?
— Economias! — bravejou.
Um suor frio humedecia as camisas. Interrogaram-no então sobre a tabuada, sobre a. questão do Oriente...
— Economias! — gania.
Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias. Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender. O partido reformista é o papagaio do Constitucionalismo.

Eça de Queiróz
Maio de 1871
 
posted by sónia at 10:24 |


4 Comments:


  • At sexta mar. 16, 11:23:00 da manhã, Anonymous Anónimo

    Já tenho saudades de ler um texto teu mas ler Eça é sempre um prazer e sei que é mesmo um dos teus maiores prazeres! Por isso nos brindaste com esse teu grande ídolo, deixando-nos uma crónica muito engraçada.
    Nunca tinha lido e gostei bastante.


    P.S.: esperando por um texto teu...


    beijinhos e bom fim de semana

     
  • At quarta mar. 21, 02:35:00 da tarde, Blogger Pierrot

    Oh Sónia...onde é que eu já li ou senti isto?
    Reformistas?!?
    Eça de Queirós?!?
    Seculo 19?!?
    Parece que estou a ver os nossos governos actuais...safa!
    Os anos passam mas a caravana não!
    Bjos daqui
    Girissimo
    Eugénio

     
  • At quinta mar. 22, 09:22:00 da manhã, Blogger sónia

    eheheh é essa a ideia eugénio! impressionante como algo do passado pode ser tão presente...!

    bjos

     
  • At quinta mar. 29, 04:16:00 da tarde, Blogger Unknown

    Maninha... como diz o Eugénio... o anos passam... mas mudanças... nenhumas!!!
    Tenho que te contar uma história engraçada, mas fica para depois, por mail!!!

    Beijinhos***

     

Nome: Sónia Correia
Idade: 21
Cidade: Almada
Profissão: Estudante
E-mail: scorreia.sc86@gmail.com

A vida é um mar de espinhos
onde rosas navegam
num abismo ardente

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